sábado, 1 de outubro de 2011

Perdoar é permitir que a vida continue

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Em nossa cultura, em nosso tempo, tolerância e bom senso tornaram-se valores obsoletos. Parecemos uma sociedade que perdeu o interesse pelo futuro. Essa apatia indica que não existem projetos coletivos que deem sustentação e sentido à vida das pessoas.
Modificar esse tipo de atitude supõe que se resgatem valores éticos que se coloquem a serviço do bem-estar do humano. Narcísicos, perversos e fanáticos empurram a humanidade para uma destruição de valores e da própria vida. “A tragédia em cena já não nos basta”, diz Artaud, assistimos ao vivo e a cores as destruições que procedem da orgia de intolerâncias.
O mundo atual sofre de um mal-estar que parece exigir um olhar diagnóstico cuidadoso. A vida vem sendo tratada como algo simples e desprezível, usada para fins “naturalmente” destrutivos. Um tipo de atitude que vem sendo fortalecida num contexto em que crescem os narcisismos e as intolerâncias, promovendo uma desapreciação crescente do cordial, do relacional, do amoroso.
Desde que a felicidade passou a ser buscada apenas nas coisas, no consumo, na ostentação, no parecer, no poder, e não dentro do sujeito e nas relações que estabelece, o outro
 foi perdendo seu lugar de parceiro e começou a ser visto como concorrente, como rival.
Na era da informação de massas e da política espetacular, a exaustão é permanente. A informação nos satura antes que a reflexão e a dinâmica social encontrem alguma solução. Somos invadidos por uma multiplicidade de imagens destrutivas que nos deixam sem fôlego. Ansiamos pelo oxigênio da paz. Mas a paz que se quer para si, para o mundo, para os povos, terá de começar por cada um de nós. Teremos que reaprender o gosto pelo ético, pelo relacional, pelo amoroso e processar corajosamente transformações internas que instalem em nós a vontade da paz, o exercício da tolerância, a capacidade do perdão.
Mágoas e ressentimentos são frequentes na experiência mais guardada das pessoas. Quem já não teve seus motivos de guardar uma dor, um sentimento rebentado, uma raiva por desejos frustrados, ou até ódio por uma situação transtornada, humilhante ou injustiçada?
Somos todos muito capazes sim desses sentimentos raivosos. Eles compõem a nossa realidade humana. Contudo, é bom lembrar que nossas mágoas não resolvidas promovem sequelas muito sérias quando realimentadas dentro de nós. Torna-se possível então uma imensa produção de destruições em nós mesmos. A qualidade da vida interna e a saúde emocional ficam prejudicadas nesse território amargurado onde não sobra espaço para alegria, leveza, partilha cordial e afeto.
Faz-se necessário o exercício cotidiano de desculpar, de tolerar, de cascavilhar menos as faltas do outro, de perdoá-lo nos pequenos deslizes. Se isto parecer muito difícil, vale a pena lembrar o que Cristo falou aos fariseus, reconhecendo o quanto eles eram hipócritas: “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado”.
(...) Que ensaiemos, portanto, passar do estado de raiva, de ódio e de intolerância para um estado de compreensão do humano em suas falhas e encantamentos. Somos todos maravilhosos e destrutivos. Capazes de amor e ódio. Cabe dar destino ao que somos. Cabe nos apropriarmos do que queremos ser e fazer. Perdoar é abrir mão do ódio e permitir que a vida continue.


Fonte: Zenilce Vieira Bruno, Psicóloga, pedagoga e sexóloga. Publicado no Jornal O Povo (Opinião): “Orgia de intolerâncias”, 07 de maio de 2011.

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